A primeira coisa que passava pela minha cabeça antes de entrar em um estúdio de animação para séries de televisão era: Diversão. Imaginava um lugar onde as pessoas eram criativas o tempo todo e podiam expor do modo que quisessem, seja enfeitando sua mesa com figuras de ação, seja indo trabalhar de pijama de unicórnio ou pintando um quadro no meio do estúdio sem ninguém reclamar. Uma visão bem ingênua da verdadeira realidade, mas a Louise de 12 anos não gostava da realidade e fazia sinal da cruz para todas aquelas pessoas que queriam puxá-la de volta para a vida real. E foi com esse sentimento que decidi que queria trabalhar com animação, afinal gostava bastante de desenhos animados e frequentemente imaginava como era trabalhar com isso.

Richard Williams (diretor, animador e autor do Animator Survivor Kit e Ken Harris (um dos melhores animadores de seu tempo).


Lembro até hoje como foi meu primeiro dia em um estúdio de verdade: silencioso, pessoas focadas, uma planilha para seguir e metas para cumprir. Claro que nessa altura do campeonato eu já não era tão ingênua mas ainda sim acreditava que era um ambiente bem mais “animado” com piadas rolando soltas e pessoas competindo para quem era mais criativo. Depois, ao conversar com amigos curiosos, percebi que eles tinham essa mesma idealização quando faziam perguntas como “mas o que vocês fazem lá dentro?”, “é você quem inventa os personagens?”, “vocês podem subir na mesa?”, “ah… mas pelo menos enfeitar a mesa pode, né?”. Muitas dessas pessoas não tinham ideia de que a rotina de um estúdio de série era bem semelhante a uma mini fábrica com uma esteira de produção: existem departamentos separados e cada um deles é responsável por uma determinada parte do programa.

Departamentos

Primeiro, o departamento da pré-produção cuida de tudo que envolve o “antes” da produção em si, ou seja, o roteiro, o storyboard, a criação dos personagens, a criação do cenário de cada cena, o rig desses personagens e outros detalhes como props e som (muitas das vezes vozes guia que serão redubladas depois). Nessa parte costuma-se encontrar diversos profissionais especializados em cada tarefa: O diretor, o roteirista, o storyboarder, o rigger, o character designer e o background designer (esses dois últimos também costumam cuidar dos props).

O storyboard costuma ser feito em um software chamado Storyboard Pro, os concepts e criações de personagem no Photoshop e o rig, dentro do Toonboom Harmony (software que será utilizado também posteriormente pelos animadores).

Walt Disney apresentando o storyboard do famoso filme “Fantasia” com Deems Taylor e Leopold Stokowski -1940. (Bettmann)

Posteriormente ocorre a produção em si, os rigs dos personagens e as cenas são entregues aos animadores e eles começam a animar. Alguns estúdios possuem um sistema de pontos, onde as cenas mais difíceis são as com pontos mais altos e há uma tolerância na quantidade de dias que se passa em uma cena com maior pontuação, outros criam uma meta geral de se fazer X segundos diariamente. O primeiro estúdio que trabalhei a média era 6 segundos por dia. Vale ressaltar que em um estúdio de série raramente um animador poderá incluir ideias ou participar da pré ou pós-produção. Na parte da produção geralmente encontra-se o diretor de animação, supervisores e os animadores (que se dividem em um sistema de júnior a sênior dependendo de quão madura é a habilidade desse profissional).

Muitas pessoas também acreditam que trabalhando em um estúdio de animação você desenhará todas as poses configurando o estilo “frame a frame” de animar mas aqui no Brasil essa técnica é usada mais como um apoio para outro tipo diferente de técnica: Animação Cut-out ou Puppet animation. Onde os personagens são “rigados” assim como um boneco de papel (uma espécie de marionete 2D) o que facilita a produção e acelera resultados.

Por último, acontece a pós-produção onde o episódio será editado com a dublagem final, sons e tudo que é necessário para mandar para sua exibição seja em um canal de televisão ou streaming.

O rig de um personagem em cut-out e suas peças. O desafio da animação cut-out é não deixar com o aspecto mecânico. Fonte: toonboom.com

Rotina

Por mais que existam diversos departamentos, a rotina dentro do estúdio era bem semelhante para todos. Chegávamos cedo, cada um tinha sua própria mesa com computador e mesa digitalizadora para auxiliar na criação de desenhos novos. Alguns animadores e artistas possuíam suas próprias mesas display que levavam e as deixavam lá pois preferiam trabalhar nelas. Na animação, tínhamos que focar para conseguir bater a meta do dia, mas nada muito estressante. O diretor de animação ou supervisor estariam sempre disponíveis caso uma cena mais complexa caísse em suas mãos e outros animadores também adoravam ajudar, levantando de suas cadeiras e dando dicas de como melhorar ou resolver uma cena. O objetivo era deixar a animação cut-out não ter cara de cut-out então saber desenhar e finalizar no estilo da série é crucial. No horário de almoço, alguns saíam para comer fora, outros esquentavam suas comidas na copa do estúdio e almoçavam juntos (nessa parte sim era bem divertido e a maioria das pessoas gostava de falar sobre criatividade e assuntos diversos, sempre rolava altos papos e risadas). No pós almoço todos voltavam para suas mesas e trabalhavam até o final do dia, quando completasse 8 horas voltavam para casa e o dia seguinte começava novamente.

Por mais que a realidade seja bem diferente do que muitos imaginam, uma característica que me surpreendeu em estúdios de série mais maduros é que geralmente é mantido o acordo de 8 horas de trabalho (o que é bem diferente da péssima fama que muitas agências de publicidade ganharam ao longo dos anos). Eles costumam prezar bastante pela organização interna de modo que projetos não atrasem e, por mais que seja bem difícil pois há muitos departamentos e arquivos para lidar, raramente participei de projetos que atrasaram e nunca me pediram para ficar até mais tarde. Lembrando que não é uma regra, já ouvi relatos de estúdios menores não acertarem na organização ou relativizar certas situações como acúmulo de função.

Remuneração

Apesar de não ser comum problemas ligados ao tempo de trabalho, a remuneração em estúdios de série pode ser bem inferior do que as que se costuma observar em projetos como os de publicidade ou até mesmo os de fixos em agências. Uma pesquisa feita pelo Animatop – grupo destinado na reunião de diversos animadores no Brasil – mapeou alguns salários e a média de estúdios brasileiros seria:

  • Estágio – Entre R$ 800,00 a R$ 1000,00
  • Júnior – Entre R$ 1500,00 a R$ 3000,00 (geralmente R$ 3000,00 sendo PJ na maioria das vezes)
  • Pleno – Entre R$ 2500,00 a R$ 3800,00
  • Sênior – Entre R$ 4000,00 a R$ 5100,00

Lembrando que muitas das vezes estúdios grandes estão localizados nas maiores metrópoles do Brasil onde um aluguel em um bairro seguro ou mas próximo do local de trabalho pode beirar aos R$ 2000,00 a R$ 3000,00 por mês. Dizer isso pode ser essencial para quem planeja sair de um lugar e começar a trabalhar presencialmente em estúdios assim. No entanto, com a pandemia de 2020, muitos estúdios começaram a considerar possibilidade de serem híbridos e por mais que, no momento em que estou escrevendo esse artigo nenhum estúdio tenha voltado a ser presencial, talvez seja uma realidade comum nos próximos anos.

Caso queiram mais informações, encontrar pessoas do ramo e outras respostas, indico fortemente conhecer o discord do Animatop.

Obrigada por ter lido meu primeiro post aqui no site. Haverão outras publicações sobre como é trabalhar em estúdios de série e se rolou alguma dúvida, pergunta ou curiosidade, posta aqui nos comentários que trarei as respostas nos próximos posts!

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