O preço da desorganização

Não é novidade que o mercado brasileiro de criação está longe de ser referência no quesito organização. Trabalhamos diariamente com prazos insanos, nos desdobrando em dez para vencermos as demandas e projetos, fora as horas extras regadas a pizza, que quando o assunto é pandemia, nem isso recebemos. Mas qual o preço dessa urgência toda?

Recentemente tive a experiência de trabalhar em uma agência de publicidade onde o processo de criação era caótico e com demandas mensais enormes, as atividades eram mal distribuídas e como consequência, algumas pessoas ficavam extremamente sobrecarregadas, sendo aquele funcionário “pau pra toda obra” de forma coercitiva, tendo de lidar com clientes e se desdobrar entre várias funções acumuladas numa só. A questão é que tanta desorganização tem um preço alto, um custo que poucas pessoas param para analisar, situações assim vão muito além do ser salário abaixo do justo, esses absurdos ao qual nos submetemos são facilmente mascarados com comentários dizendo ser parte da área e da cultura desse mercado, que todo mundo faz e que isso é algo “normal”. A real é que tudo isso é a coisa mais anormal possível.

Diariamente eu via minhas colegas passando mal, dormindo mal, tendo crises de ansiedade, daquelas que refletem fisicamente, à beira de burnout, com problemas sérios de síndrome do impostor, achando que não faziam um trabalho bom ou que não fosse suficiente. Via aquilo me sentindo totalmente impotente e isso me fazia parar para pensar como a nossa área é ingrata conosco e com a nossa sanidade, nos leva ao extremos do psicológico e drena nossa energia se não termos cuidado e força pra frear situações como essa, que parecem ser regras quando deviam ser exceções. Tudo isso mascarado em cima de frases como “isso é uma oportunidade única, você fará projetos incríveis, você terá reconhecimento”.

Além de todos esses desafios a gente ainda tem que ter disposição para cumprir demandas grandes com prazos curtos, pipeline sem a menor organização, projetos vindos de terceiros que estão a maior zona, pautas urgentes que chegam no dia pro dia. Confesso que essa falta de entregar coisas de qualidade, falta de prazo ou saber o próprio cliente queria só volume e não coisas bem boladas, me deixavam extremamente frustrada. Situações como essas, cheias de ruído, impactam como um soco no nosso rendimento e na produtividade, é aí que deve rolar um ponto de virada.

No fim das contas, a grande verdade é que não importa a empresa, a agência, o estúdio com o qual trabalhamos, os trabalhos incríveis que podemos produzir nesses lugares, empresa é sempre empresa, a correria e a urgência do mercado sempre vão existir, ninguém vai olhar por nós e pro nosso bem estar mental e físico senão nós mesmos, e esses abusos devem ser cada vez mais falados pra que isso não seja visto como normal. Devemos estar nesse mercado o mais conscientes possível dessa realidade torta, até porque quando se entra deslumbrado(a) nessa área e começa-se a ver a realidade da coisa, o tombo e a frustração podem ser gigantes e vir como uma marreta.

Artes de capa e corpo do texto por Marcelle Ribeiro.

Comentários

comments