Feito é melhor que perfeito

A tela em branco no photoshop. Na janela ao lado, o rascunho de um projeto pessoal que queria fazer há tempos. Música favorita pra trabalhar no Spotify e tempo pra fazer as coisas com calma. Nada sai. Parece que cada traço é impedido pela sensação de que ele está errado antes de existir. Tento me concentrar, me acalmar, aquela respiração profunda e dou um impulso para o projeto sair na marra. Ele sai, o fluxo se estabelece, mas algo ainda me incomoda. Mantenho o esforço pra não perder o ritmo e finalizo a peça, finalmente está ali, minha idealização na tela e só consigo pensar em uma coisa: está muito ruim, tudo que enxergo são defeitos. 

Sim, eu sou perfeccionista.

Perfeccionismo é um problema é maior do que você imagina e virou objeto de pesquisa dos canadenses Paul Hewitt e Gordon Flett. Eles desenvolveram mecanismos para medir o perfeccionismo e o dividiram em três elementos principais:

O perfeccionismo auto orientado: é o desejo irracional de ser perfeito, aquela vontade interior de querer ser o mais perfeito que puder ser.

O perfeccionismo socialmente orientado: é a sensação de que o ambiente social cobra demais, onde você sente que os outros cobram muito de você.

O perfeccionismo orientado no outro: é a imposição de padrões irreais em outras pessoas, geralmente descrito no pensamento “se eu quero algo, eu espero que seja perfeito”.

Dos três, o perfeccionismo socialmente orientado é o pior de todos e com certeza o que trás mais impactos negativos, como o desenvolvimento de ansiedade, depressão e ideações suicidas.

O perfeccionismo assombra a maior parte das pessoas e na comunidade artística ele é avassalador. Trabalhar com algo visual exige em si um nível de qualidade alto, mas isso é diferente de querer alcançar a perfeição. O grande problema é que, na maioria das vezes, o trabalho de outros artistas parece incrível e o seu apenas medíocre. O instagram parece povoado de gênios da arte, que produzem peças fantásticas todos os dias, um ritmo impossível de acompanhar., mas essa visão não poderia estar mais equivocada.

Artistas renomados não são super humanos. Pense nas suas maiores referências. Talvez alguns deles sejam considerados gênios nas suas áreas, mas você já parou pra pesquisar como eles eram no início da carreira? Uma das ilustradoras mais requisitadas atualmente é a holandesa Lois van Baarle, conhecida como Loish. Com 2,4 milhões de seguidores do instagram posso pensar que a arte vem fácil e que seu trabalho não tem defeitos, porém não é o caso. Os trabalhos atuais são o resultado de uma carreira de mais de 15 anos e suas primeiras ilustrações não eram nada de outro mundo. Muitas vezes focamos no quanto alguns artistas são incríveis hoje e esquecemos todo o histórico por trás da sua arte, que ainda hoje não é perfeita.

Fonte: Loish

O perfeccionismo paralisa. Sabe aquele projeto pessoal que você não consegue colocar no papel, porque sente que sempre falta algum aspecto técnico, alguma habilidade fundamental que você não possui? Como não consegue finalizar o projeto, seu portfólio fica incompleto. Sem portfólio, você perde a confiança de tentar vagas em estúdios e agências. Você pensa: quem iria querer me contratar? Eu não consigo nem terminar um projeto pessoal, então nunca conseguiria trabalhar em um projeto profissional. Essa cascata de pensamentos te paralisa e muitas vezes te faz desistir antes mesmo de começar.

Ok, o que fazer então? Uma das coisas que mais ajuda a tirar projetos no papel é estabelecer prazos. Caso o compromisso consigo mesmo não seja suficiente, se comprometa com outra pessoa. Fale sobre o seu projeto com alguém e diga que vai mostrar o resultado daqui algumas semanas. Quer se comprometer ainda mais? Convide um colega da área para realizar o projeto contigo ou entre em uma collab. Parcerias aumentam a noção de prazo e responsabilidade e quando você achar que algo não é bom o bastante o seu colega estará lá para te dizer que é suficiente. Uma das características que é mais valorizada no mercado artístico é a confiabilidade. Os clientes valorizam muito os trabalhos entregues no prazo, tanto quanto o nível de qualidade. 

Lembre-se que qualidade não é o mesmo que perfeição. Cada fatia do mercado possui uma exigência de qualidade e você precisa descobrir qual nível de técnica precisa para preencher determinadas vagas. Contudo, não caia na armadilha de achar que deve ser capaz de fazer projetos complexos sozinho. A maior parte dos trabalhos complexos de publicidade exige equipes multifuncionais, onde cada profissional fica responsável por uma pequena parcela do projeto. Caso esteja trabalhando sozinho, a empresa que te contratou viu o seu portfólio e sabe do que você é capaz, então pare de tentar dar passos maiores que a perna ou elevar os padrões para além do que você é capaz de fazer. Caso esteja na dúvida de qual nível técnico você se encontra, esse vídeo do Manual do Freelancer explica a diferença entre os níveis.

Autoconhecimento é a chave. Querer melhorar é essencial, mas perfeição só existe dentro da cabeça. Na maior parte das vezes o ideal é engolir o orgulho e fazer. Conseguir finalizar as coisas é uma característica fundamental na área artística e exige desprendimento. Aceite o que você é capaz de fazer hoje e tente fazer um pouco melhor no próximo projeto, mas não espere alcançar um nível técnico absurdo para começar a fazer algo, senão vai acabar não fazendo nada.

Abraços e bons projetos feitos, mesmo que não perfeitos.

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