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Andrew Whitehusrt, supervisor de VFX na Double Negative.

Já parou pra pensar em como funciona a linha de produção dos grandes estúdios de efeitos visuais? São tantos departamentos, todos interligados e trabalhando simultaneamente, que tentar explicar pode ser uma tarefa bem confusa. Pra nossa sorte, Andrew Whitehurst, supervisor de efeitos visuais (VFX) na Double Negative (Londres) – um dos principais estúdios de efeitos do mundo -, deu-se ao trabalho de explicar tim-tim por tim-tim como funciona a linha de produção típica dos efeitos visuais, em seu site.

Obviamente varia dependendo do projeto, mas pensando numa produção de efeitos para cinema, por exemplo, a coisa acontece bem assim:

(nota da editora: senta que lá vem textão)

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O primeiro passo pra fazer um filme é a Pré-Produção, ou seja, todo trabalho que é feito antes que qualquer filmagem aconteça. Isso pode variar de algumas semanas a mais de um ano, dependendo do projeto.  A Produção é a filmagem de fato. Muito trabalho é feito pela equipe de VFX no próprio set de filmagem e no estúdio, enquanto o filme está sendo filmado. As filmagens podem demorar de alguns meses a mais de um ano, em alguns casos. Depois que as filmagens acabam, entra a etapa de Pós-Produção. Essa é a fase em que a maioria do trabalho de VFX acontece e quando há um contato maior com o cliente. É também durante essa etapa que a edição, a música e os efeitos de som são adicionados.

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Pesquisa e Desenvolvimento, P&D (Research & Development, ou R&D) é um dos departamentos essenciais num estúdio de efeitos visuais. A maioria dos projetos exigirão que ferramentas sejam escritas/desenvolvidas ou para deixar algo que já é possível de ser feito mais rápido e eficiente, ou para criar ferramentas para coisas que ainda não existem.

Faz parte do VFX sempre expandir os limites do que é possível com a tecnologia, enquanto a audiência pede cada vez mais por efeitos maiores e mais completos. Somente com as configurações originais de softwares como Nuke e Maya, por exemplo, não é possível alcançar essas necessidades. Então é tarefa do pessoal de Pesquisa e Desenvolvimento — programadores, cientistas, matemáticos, engenheiros e diretores técnicos — criar novas ferramentas, que podem ser desde plug-ins para softwares já existentes até novos programas, criados especialmente para aquela nova função que precisam realizar. Pode existir um pequeno departamento de P&D para cada projeto, mas em geral é uma equipe maior dividida entre todos os projetos do estúdio de VFX; uma vez que geralmente as novas ferramentas desenvolvidas para um projeto acabam sendo úteis para outros projetos da casa.

Parte do processo de convencer o cliente a usar essas ferramentas passa pela produção de testes demonstrando as possibilidades visuais, o estilo e a tecnologia que querem usar na produção das sequências do filme. Testes são feitos como uma “prova de prelo”, para dar confiança ao cliente de que o resultado que almejam alcançar é possível. Geralmente são feitos pelos artistas mais experientes, já que quase sempre são super complicados e experimentais, com as ferramentas sendo escritas ao mesmo tempo que a equipe realiza os testes. Só quando o cliente dá ok para o resultado dos testes é que o processo de construir os modelos pode começar.

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Modelagem geralmente começa na pré-produção porque modelos em baixa resolução são necessários para a Pre-Visualização e testes. Às vezes, os clientes também fornecem desenhos ou esculturas modelo de elementos que eles querem que sejam criados em CG. Esses modelos e rascunhos são usados para que os modelos CG criados sejam o mais fiéis possíveis para serem utilizados nas cenas. Observando o diagrama, a fase de modelagem avança até o início da pós-produção, mas a maioria dos projetos tentarão ter tudo o que precisam até começarem a produzir as cenas finais. Modelos serão produzidos em níveis de qualidade diferentes: altíssima resolução para os renders finais, qualidade média para animação e baixa resolução para a pré-visualização (Pre-Vis).

O Pre-Vis é o processo de pegar os storyboards ou a descrição dos scripts de uma cena e fazer a “blocagem” da ação em 3D usando modelos e texturas em baixa resolução. A idéia é levar o storyboard ao 3D para que o diretor possa ter uma noção melhor de como a sequência funcionará, e como os movimentos de câmera e o set-up de cenário podem ser usados antes que se gaste montando qualquer coisa no set de filmagem. O Pre-Vis geralmente será feito por animadores e será renderizado em baixa qualidade. Várias versões serão produzidas e apresentadas aos clientes antes que seja definida como será a sequência final. O Pre-Vis costuma ser usado apenas como um guia no set, mas muitas vezes os cortes e cenas filmados diferem bastante do original. Contudo, outras vezes pode ser bastante preciso se comparado frame a frame, principalmente em cenas complexas quase 100% CG.

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Quando as filmagens de fato se iniciam, um representante do estúdio de efeitos visuais vai pro set de filmagens acompanhar as sequências que o estúdio terá de trabalhar depois. Geralmente essa pessoa será o supervisor de VFX, ou o supervisor do CG, ainda o supervisor do 2D,  já que eles terão uma melhor visão de como o projeto deve ser dirigido quando voltarem pro estúdio. Além de darem conselhos sobre a melhor forma de montar e filmar a cena pro VFX, o representante de estúdio também fica responsável por tirar o máximo de fotografias possíveis. Essas fotos serão usadas como referência para a modelagem, texturização, iluminação e possíveis elementos para matte painting. A idéia é capturar o máximo de informações visuais sobre a cena pra facilitar ao máximo caso algo precise ser reconstruído em CG depois.

Além das fotos de referência, muitas vezes também é feito um escaneamento 3D dos principais sets, props e atores. LiDAR é um dos principais sistemas/técnicas de scanner 3D a laser, que pode criar modelos altamente detalhados de construções e ambientes. Objetos menores também serão escaneados usando sistemas parecidos. Os modelos criados por essas máquinas têm uma grande densidade de informação; podem ter milhões de polígonos. Um modelador sempre tem que construir o modelo para render, animação ou pre-vis do zero, mas usando o LiDAR como referência. Ter um modelo 3D escaneado preciso para basear a geometria do modelo 3D, garante que os objetos CG sempre se alinharão perfeitamente com sua versão do set na filmagem.

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O representante do estúdio no set também faz fotos HDR (High Dinamic Range) de cada ambiente para permitir que o Diretor Técnico de Iluminação use técnicas baseadas nessas imagens quando for iluminar as cenas. Essas fotos serão tiradas com lentes fish-eye, duas fotos pegando 180 graus cada, do ambiente. Cada um desses dois pontos de vista será fotografado cinco vezes em tempos de exposição diferentes para se capturar o máximo de informação de sombra e iluminação. Essas imagens serão combinadas em uma única de 360 graus, um mapa HDR para os artistas de iluminação e desenvolvimento visual usarem.

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Quando a filmagem termina e começa a edição, os cortes das cenas que serão usadas, são selecionados e escaneados pelo cliente (caso tenha sido filmado em película). A maioria do filmes são escaneados em 2k, se tiver sido usado filme Super 35mm. Nesse caso, cada frame é escaneado como uma imagem HDR separada, pra preservar o máximo de detalhes do negativo original.

Quando o estúdio de VFX recebe o material, faz-se um primeiro color grading técnico, pra garantir que todas as cenas numa sequência tenham a mesma aparência, sem mudanças bruscas de cor ou claridade quando forem vistas juntas. Um grading criativo, em que a aparência final do filme será definido, será feito no final de tudo pelo diretor de fotografia e um colorista, e não pelo estúdio de efeitos visuais. O grading técnico é apenas para garantir que todos os frames do filme estejam parecidos, dando uma base consistente pro estúdio trabalhar.

Quando se usa película, é impossível manter um pedaço de negativo 100% limpo e livre de poeira, riscos e manchas químicas nos frames escaneados. Por isso, uma equipe de compositores fica responsável por limpar os frames dessas sujeiras.

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Quando os modelos 3D ficam prontos, precisam ser rigados. Rigging é uma tarefa bastante técnica, que exige um conhecimento de como objetos se movem e interagem. Rigging de criaturas é especialmente difícil, uma vez que as camadas de ossos, músculos e pele precisam ser simulados  pelo processo. Com o rig pronto, ele é testado pelos animadores, que tentam quebrá-lo. A partir disso um novo rig é criado. O processo de rigging pode continuar mesmo durante o processo de animação, já que rigs mais refinados permitem resultados melhores na animação. Além de rigs pra animação, rigs também são necessários quando match moves são usados em um projeto.

Com o filme base em mãos e todos os modelos rigados, é hora do departamento de tracking começar seu trabalho. A primeira coisa a ser feita é o tracking do movimento de câmera. Isso é feito com algum programa de tracking 3D como o Boujou, 3DE ou PFTrack, por exemplo. No set, as medidas e informações sobre as lentes usadas em cada take foram anotadas para que a distância focal apropriada seja usada na câmera CG. Mesmo assim, geralmente ainda serão preciso ajustes manuais no resultado do tracker pra refinar o movimento da câmera e encaixar perfeito.

Tendo um tracking de câmera pronto é hora de fazer qualquer match move ou body tracking necessário. Um body track é um personagem ou objeto em CG que imita o que seu equivalente no set fez. Você pode querer um body track se precisar prender um objeto CG a um personagem no set; por exemplo, adicionar um rabo digital no Hellboy. Pra isso um modelo CG do Hellboy será animado para se alinhar perfeitamente ao ator em cada frame. Assim será possível renderizar o rabo digital e prende-lo no body track, sabendo que na composição final o rabo parecerá fazer parte do ator real. Geralmente designers/artistas de VFX iniciantes que aspiram se tornar diretores técnicos ou animadores, começam a carreira nessa tarefa de match moving e camera tracking.

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Animação é o processo de dar vida aos elementos modelados e rigados. Geralmente criaturas e personagens, mas também pode ser um veículo ou qualquer outra coisa que se mova. Os animadores costumam trabalhar com modelos de média resolução, com detalhes suficientes para serem posicionados corretamente, mas não tantos detalhes que deixarão o computador devagar demais enquanto animam. É importante ter um processo de trabalho leve e ágil pro animador conseguir criar uma performance natural. São renderizadas versões simples, só com material cinza básico, pro cliente fazer críticas; assim, novas revisões são feitas.

Animação de efeitos é tudo que envolve simulação. Na maioria das vezes, acaba sendo partículas, fluídos ou dinâmica de corpos sólidos (rigid-body dinamics). O diretor técnico de efeitos escolherá a câmera e elementos animados à mão, além de uma versão CG do ambiente. Essa cena dará uma base para as simulações. Por exemplo, o fogo na Liz Sherman, em Hellboy 2, é uma simulação de fluídos. Além de um tracking de câmera, a performance de Selma Blair foi recriada, de forma simplificada, por um artista de match move, pra que houvesse uma representação CG dela na cena. Assim, o diretor técnico de efeitos pode emitir partículas simulando fogo a partir da geometria da atriz, e usar a mesma geometria para criar um 3D matte quando fizer o render final da simulação. Isso garante que não poderemos ver o fogo que estaria atrás dela, e ajuda o compositor a casar as chamas na cena em cima da imagem da atriz real.

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Com os modelos terminados, eles precisam ter mapas de textura (texture maps) tanto para as cores e detalhes e texturas muito mínimos para serem modelados, como poros, dobras de pele, etc. Usando a referência fotografada no set, um pintor de textura pode criar mapas para difusão das cores, especularidade e também mapas de displacement e bumps. Esse mapas costumam ser extremamente detalhados, às vezes em resolução 8k, se a câmera digital for chegar muito próxima ao modelo.

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Desenvolvimento Visual, ou Look Development, é a fase em que os mapas de textura são usados com shaders e luzes para determinar a aparência/estilo do modelo finalizado. O brilho, a refletividade, a rugosidade serão ajustados pelo artista de look-dev até se chegar a uma combinação perfeita com a versão do set (se existir). Para objetos em que não existe uma referência real para comparação, é responsabilidade do supervisor de VFX e do diretor decidir qual o estilo correto. Look developers trabalharão com o pessoal da Pesquisa e Desenvolvimento, caso seja necessário um novo shader para algum efeito particular. Alguns look-developers também escrevem seus próprios shaders.

Quando a animação e o Look-Dev é aprovado, os artistas de iluminação podem começar a renderizar o CG final. Eles usarão as configurações de shader definidos pelo Look-Dev e os mapas HDR que foram criados, mas na maioria das vezes também adicionarão mais luzes para acentuar e melhorar cada cena, como for necessário. Por exemplo, uma luzinha de contorno ou um brilho no olho. Eles renderizarão os passes CG, e então farão uma composição básica em cima do filme pra testar se a iluminação que fizeram está natural dentro do ambiente filmado. Quando o supervisor der ok pra iluminação, todo o render CG pode ser passado pro pessoal da composição pra a integração final.

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Muitas vezes será necessário colocar um elemento digital atrás de um elemento filmado. Por exemplo, imagine um personagem no set andando em frente a um BG, e um efeito que precisa ser adicionado de forma que pareça estar entre o personagem e o BG. Para recortar o personagem real, um artista de Rotoscopia terá que desenhar em volta do personagem em cada frame pra fazer uma máscara “matte” para que o compositor possa fazer o “sanduíche” entre o BG, o efeito e o personagem. Alguns cortes serão filmados em chroma key (em frente a uma tela azul ou verde), para assim ser possível selecionar, recortar e criar um matte. Mas em situações em que isso não tem como ser feito, rotoscopia é a única forma de criar mattes para que o compositor termine o trabalho. Geralmente artistas/designers juniors que querem ser compositores começam a carreira como artistas roto.

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Além de usar elementos 100% CG, é também uma boa idéia, especialmente para fenômenos naturais como fumaça, respingos ou poeira, filmar exemplos reais desses efeitos em frente a um fundo preto, azul ou verde. Essas filmagens isoladas são chamadas elementos (element shoots), e geralmente existirão como parte da produção do filme. Estúdios de VFX já possuem uma grande biblioteca desses elementos de filmagens anteriores, de forma que os compositores têm uma boa quantidade de explosões, espirros de sangue, etc, para escolher.

Composição é a última etapa e é onde todo CG, os elementos e as filmagens são combinadas para criar a imagem final. Matte paintings também podem ser produzidas nesse estágio para servir como preenchimento para chroma- keys ou elementos CG. Um compositor usará uma variedade de técnicas para integrar todos os elementos juntos para que pareça que tudo foi filmado junto, e é real, sem truques. Compositores precisam ter um excelente conhecimento sobre propriedades das lentes e filmes, além de ter uma boa visão artística pra alcançar um bom resultado. Quando a composição das cenas fica pronta, a cena final é enviada para os supervisores dos efeitos visuais e deles pro diretor do filme, para aprovação.

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Com a aprovação, o material filmado é enviado para o cliente, da mesma forma que a filmagem original foi recebida, geralmente como uma série de imagens digitais (sequência de imagens). O cliente usa esses frames compostos para um color-grading criativo e eventualmente para conversão em filme ou DCP (Digital Cinema Package) para ser lançado nos cinemas.

Conclusão

Como se pode ver pelo diagrama final, a linha de produção do VFX é muito complexa, com muitos departamentos interdependentes em maior ou menor grau. Enquanto existirão diferenças na organização dependendo do estúdio e projeto, o diagrama final representa um bom resumo geral da maioria dos estúdio que trabalham com VFX. Em cada departamento dentro de uma dessas empresas existirão artistas seniors, intermediários e juniors. Projetos ou empresas menores podem ter apenas uma pessoa tomando muitas dessas funções sozinha, enquanto projetos e empresas maiores podem chegar a ter dezenas de pessoas em cada função. Mas não importa o tamanho do projeto, a estrutura básica de como as coisas são feitas é praticamente a mesma.

 

Fonte: Andrew Whitehurst

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